O Pai da Aviação (por Henri Lalli) Santos Dumont é, na realidade, uma figura ímpar em toda a história da humanidade. Dos grandes inventores, é o que realizou suas invenções mais jovem. Sem exageros e sem ufanismo, se nos detivermos para avaliar, veremos que não foi pouco o que esse brasileiro que fez.
....Pelo mundo a fora, no entanto, Santos Dumont muitas vezes não é se quer conhecido e, quando isso acontece, não é unanimidade como autor do primeiro vôo de um avião. Os irmãos estadunidenses Wright, pelo seu suposto vôo de 1903, geralmente levam a fama - mesmo na França em que há Ader, Pénaud e os irmãos Voisin em disputa pela autoria. Segundo muitos franceses, por exemplo, em 1908 Gabriel Voisin fez o primeiro vôo autônomo (não conseguido pelos Wright antes dele) e a primeira curva (não havida no vôo do 14 bis), portanto é ele o inventor do avião. Além desses pioneiros, Langley e Whitehead (nos Estados Unidos), Lilienthal e Jatho (na Alemanha), Cayley, Stringfellow e Henson (na Inglaterra), Degen (na Áustria), Mozhaiski (na Rússia) e Pearce (na Nova Zelândia), também são cogitados como "Pais da Aviação"; variando pela definição do conceito do que se deve considerar "avião" ou "primeiro vôo" e do nível científico e de veracidade das provas existentes. Em meio a essa polêmica toda, Santos Dumont foi reconhecido pela comunidade aeronáutica quando, em 1973, seu nome foi conferido a uma cratera da Lua. A solenidade da nomenclatura (foto ao lado) contou com a presença da aviadora pioneira brasileira Anésia Pinheiro e Michael Collins, comandante da Apolo 11 e diretor do Museu do Ar e do Espaço da Smithsonian Instituition (EUA) à época, e aconteceu no dia 20 de julho, o mesmo dia em que o homem pisou pela primeira vez na Lua (em 1969), e em que nasceram Santos Dumont (1873) e seu pai Henrique Dumont (1832). Vale observar que não existe cratera " Irmãos Wright", nem "Voisin", "Jatho", "Pearce"...
....A história do “homem voador”, até Santos Dumont, passa por visionários (como o italiano Leonardo da Vinci), inventores que puseram balões no ar (como o padre brasileiro Bartolomeu de Gusmão) e outros homens audaciosos que conseguiram planar em aeroplanos (como os irmãos americanos Wright). Dois grandes problemas continuavam insolúveis: a dirigibilidade de um balão (o chamado “mais leve que o ar”) e fazer levantar vôo um aeroplano por seus próprios meios (o “mais pesado que o ar”) - já que até então eram arremessados ao ar com a ajuda de barrancos, declives, ventos, cavalos, lanchas, catapultas etc. Dissera Santos Dumont: “a direção dos balões e o vôo mecânico eram problemas insolúveis”, e ele mesmo, no entanto, resolveu os dois problemas, construindo, e ele próprio experimentando, o primeiro balão dirigível (o Nº 5 - na foto ao lado) e, cinco anos depois, o primeiro avião (o 14 bis). Isso tudo sozinho; os irmãos Wright, por exemplo, trabalhavam em dois e conseguiram fazer levantar vôo autonomamente seu “mais pesado que o ar” somente após doze anos, contra os apenas três de Santos Dumont. Santos Dumont vivia a arriscar a vida, sofreu inúmeros acidentes; numa época em que muitos outros já haviam morrido em experimentos aéreos, como o alemão Otto Lilienthal e o brasileiro Augusto Severo.
....Alberto Santos Dumont tinha avós paternos franceses, nasceu em 1873 em João Gomes, paróquia pertencente à época à cidade mineira Barbacena. Em 1889, João Gomes recebeu autonomia e passou a chamar-se Palmyra e em 1932, uma semana após a morte de Santos Dumont, recebeu o nome de seu filho mais ilustre. Seu pai teve na época 60 fazendas na região de Ribeirão Preto (onde hoje é a cidade de Dumont), era o maior fazendeiro de café do mundo e lhe proporcionou o melhor estudo, em Campinas (no Culto à Ciência - na rara foto acima, o aluno ao centro), e depois em São Paulo, Ouro Preto, Rio de Janeiro e Paris. ....A fortuna do pai garantiu-lhe também conforto por toda a vida. Na França, a princípio, dedicou-se ao automóvel - promoveu corridas e trouxe o primeiro deles para rodar em nosso chão, um Peugeot. Logo depois, empregou-se como piloto de balões e não tardou a mandar construir um para si, o “Brasil”, com um projeto que obteve a incredulidade de todos. Já aí começou sua fama, pois era o menor balão já construído. Daí em diante, projetou ou construiu ele próprio uma série de mais de vinte veículos entre balões, dirigíveis, aviões e até um helicóptero e uma lancha, os quais batizava com número. Tinha inúmeras amizades e um jeito estranho de se vestir. Foi ídolo da época, imitado e cortejado, não somente por suas conquistas, sua extrema coragem e genialidade, mas por sua simpatia e uma qualidade pouco lembrada por todos: a generosidade. (continua)
Santos Dumont vivia pelos outros, os prêmios que ganhou - que não eram poucos nem pequenos - repassou a colegas inventores, dividiu entre sua equipe ou distribuiu entre os pobres. Ajudava famílias necessitadas e, o mais impressionante, não patenteava nenhum de seus inventos. Entregava seus projetos a todos, pois acreditava que eram propriedade da humanidade. Aliás, poucos sabem também que, entre suas invenções, estão duas que estão presente entre bilhões de pessoas e lugares: a regulagem de temperatura em chuveiro e o uso de rodas em portas. Sim, é bom ressaltar: Santos Dumont inventou o dirigível, o avião, a regulagem quente-frio do chuveiro, a porta de correr e muitas outras coisas, como o hangar, o ultraleve, o simulador de vôo, o aeroporto e a palavra “airport” (em inglês!), o horizonte artificial, o uso do alumínio, da roda e do motor a explosão em aeronaves, o “cálculo de área alar” e a “relação peso x potência”, até hoje utilizados na indústria aeronáutica. Além disso, em 1904, Santos Dumont encomendou a seu amigo joalheiro Luis Cartier o primeiro relógio de pulso masculino. Até então, somente mulheres usavam relógio no pulso, uma invenção da empresa suiça Patek Philippe, em 1868. As pulseiras eram de brilhantes e Santos Dumont foi o primeiro a utilizar o couro. Como era sempre imitado, coube a ele a popularização do uso do relógio no pulso.
....Apesar de sua ascendência francesa e de ter realizado a maior parte de sua obra em Paris, amava o Brasil profundamente e vivia protestando ao governo para que desse mais atenção à aviação. Aqui suicidou-se em 1932. Estava com profunda depressão originada pelo excesso de trabalho e pelas fortes tensões que sofrera em perigo nos vôos experimentais. Os problemas nervosos e psicológicos se intensificaram com o uso do avião como arma; foi tornando-se cada vez mais solitário e pesaroso. Há cerca de um ano de sua morte, alguns de seus grandes amigos morreram ao cair no mar quando o saudavam em sua chegada ao Brasil em um hidroavião Bleriót batizado com seu nome. Não mais se reestabeleceu. Ver sua invenção como arma na revolução de 32 em seu próprio país foi a “gota d’água” - suicidou-se no dia seguinte. À época que sobrevoou uma parada militar com o Dirigível Nº 9 (na foto ao lado), chegou a prever, com certa vaidade, as grandes vantagens bélicas que teriam as máquinas aéreas no futuro. No entanto, ao criar o avião, ao avaliar tal poderio mais concretamente e ao constatá-lo com o advento da I Guerra Mundial, insistia a todos que usassem aviões somente como defesa - patrulhamentos de fronteiras e reconhecimentos - e nunca se conformou com seu uso como arma. Em 1926, fez um apelo em carta ao Embaixador do Brasil na Sociedade das Nações (organização precursora da ONU), clamando pela interdição das máquinas aéreas como armas de guerra. Sua doença era então agravada ao trazer para si a responsabilidade da invenção do avião, uma arma extremamente mortal.
....Essa figura notável, comprometeu seus estudos, seu trabalho, sua saúde, toda a sua vida para o bem das pessoas e da humanidade. Sempre pensando nos outros, escreveu em sua obra “O que eu vi, o que nós veremos”, ao referir-se aos pioneiros da aviação: “Após heróica pertinácia em estudos de laboratório, eles se arrojavam a experimentar máquinas frágeis, primitivas, perigosas. Foram centenas as vítimas que lutaram com mil dificuldades, sempre recebidos como malucos, que não conseguiram ver o triunfo dos seus sonhos, mas que colaboraram com o sacrifício de sua vida. Eu também tive a honra de trabalhar ao lado de alguns desses bravos, porém o Todo Poderoso não quis que o meu nome figurasse junto ao deles. Não fosse a audácia, digna de todas as nossas homenagens, dos Capitães Ferber, Lilienthal, Pilcher, Barão de Bradsky, Augusto Severo, Sachet, Charles, Morin, Delagrange, irmãos Nieuport, Chavez e tantos outros - verdadeiros mártires da ciência - e não assistiríamos a esse progresso maravilhoso da aeronáutica, conseguido à custa dessas vidas, quando ficava sempre uma lição.
Aos jovens, a maior parte dos meus leitores, suplico-lhes: não se esqueçam desses nomes!”
....Em um humilde gesto de homenagem e gratidão, o Grupo Dezz trabalhou para que esse nome não fosse esquecido, sinônimo de bravura, genialidade e altruísmo: Santos Dumont.
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